Brasília (o mais difícil de todos) – Parem as máquinas, parem o que estão fazendo, parem a crise financeira americana, parem a limpeza nos ministérios, parem a roubalheira na organização da Copa 2014! Parem o mundo. Vou descer. Na última segunda-feira, vivi mais um dia daqueles… Daqueles que dificilmente sairão da minha memória, daqueles que meus netinhos poderão contar para outras pessoas com riqueza de detalhes, tantas serão as vezes que escutarão a mesma história (com alguns detalhes aumentados, claro!). Mais uma vez, o fato de tocar bateria e de ter amigos tão especiais enriqueceu minha vida de uma maneira que não sei se poderei retribuir.

Tudo começou no dia em que fui buscar minha última (e será a última por muito tempo, juro) aquisição na Novo Tempo. Enquanto desembalávamos a nova bateria (com toda a expectativa do mundo), aparece o Hugo gritando: “Confirmado! Workshop com Dom Famularo e Cuca Teixeira dia 1º de agosto.”. Minha empolgação com a recente aquisição era tanta, que nem dei a devida importância ao fato na hora. É claro que marcaria presença, mas conhecer uma das maiores lendas vivas da bateria (Dom Famularo) e um cara de quem eu realmente sou fã há bastante tempo (Cuca Teixeira) merecia mais do que o “Massa!” que eu disse na hora. E passado aproximadamente um mês, chegou o dia.

Não preparei-me para a experiência como gostaria ou deveria, mas duas horas antes do evento eu já estava no local: Biblioteca do Cruzeiro (cidade satélite de Brasília). Ao entrar no auditório, segurei a respiração quando vi um dos maiores bateristas brasileiros na atualidade (Cuca) e uma lenda (Dom). Apenas para contextualizar os “não bateristas”, Dom Famularo está para a bateria como Emerson Fitipaldi está para o automobilismo ou como Mohamed Ali para o boxe ou ainda Chico Buarque para a música brasileira. Um mestre, uma figura respeitada e admirada por todos do meio, sem envolvimento em polêmicas ou outros assuntos. A primeira coisa que providenciei foi o autógrafo do Cuca Teixeira e ganhei a noite naquela hora. Não seria necessário mencionar, mas é claro que TODOS os integrantes da Casa de Swing estariam presentes. Alguns chegaram antes de mim e ajudaram a organizar o evento.

Enquanto esperávamos o início do evento, conversei um pouco com os dois mestres ali presentes, dando início à enxurrada de informações e aprendizado. Um show de conhecimento e experiência durante a passagem de som e ajustes finais no posicionamento e afinação das baterias. Faltando aproximadamente meia hora para o início do evento, no meio de uma conversa onde falava-nos sobre o dia em que conheceu Vic Firth, Dom, ao saber que as pessoas estavam começando a chegar, nos diz: “Vou ficar lá fora. Quero cumprimentar à todos que chegarem.”. Cuca, que seria o primeiro a apresentar-se aproveitou estes instantes para comer alguma coisa, trocar de roupa e concentrar-se. Entre uma coisa e outra, tirou várias fotos, distribuiu dezenas de autógrafos e foi convidado a participar da Casa de Swing (tem que ver isso aí, Cuca).

As honras da casa foram feitas pelo Marquinhos, que deu início ao evento e chamou Cuca ao palco. E Cuca tocou demais. “Ave Maria!”, era a única coisa que eu falava e pensava. Sentei numa cadeira praticamente embaixo da bateria de Cuca. Seu domínio das dinâmicas é impressionante. Apesar de estar “na cara” da bateria, quando Cuca abaixava a dinâmica, dava para conversar sem gritar e ainda ouvir a música claramente. Era como se a bateria tivesse um potenciômetro para aumentar e diminuir o volume. Nenhuma peça ficava mais com volume mais alto ou mais baixo que outra. Cuca aumentava e diminuía o som da bateria por igual. Fiquei boquiaberto com esta capacidade. E fiquei mais impressionado ainda quando ele, após ter aberto um longo espaço para perguntas, disse que não havia explorado as dinâmicas e que faria isso logo mais. Uma pena não rolou. Mas nem consigo imaginar o que mais ele faria.

E chega a tão esperada hora em que Dom Famularo é chamado ao palco. E nesta hora, quando todos esperavam que ele se sentasse à bateria e saísse tocando, Dom pede um pedestal para seu microfone e começa a contar algumas histórias vividas por ele. História divertidíssimas, mas que sempre terminavam com uma forte lição de vida ou de bateria. Uma maneira muito leve e curiosa de passar seu recado. Tenho certeza que todos divertiram-se e de que muita gente assimilou grande parte das informações que Dom quis transmitir. Um gênio capaz lançar de frases como:

  • “O que eu faço? Eu faço barulho batendo com um pedaço de madeira em plástico e metal. É isso que eu faço. E como eu ganho dinheiro? Quando eu organizo o barulho.”
  • “Eu visito de vinte a vinte e cinco países por ano. Faço mais de cento e setenta vôos. Passo a maior parte do meu tempo em aeroportos. Muitas vezes, nem sei em qual é o dia da semana. Mas quando estou sentado numa bateria, sinto-me em casa.”
  • “Já viajei pelo mundo todo e ouvi diversas línguas. Nas línguas como o português, o francês e o italiano, eu entendo alguma coisa se a pessoa falar devagar. Em países como a China e a Suécia, não entendo o que as pessoas falam. Mas usando a música, consigo me comunicar perfeitamente. A música é a linguagem universal. Sua bateria e seus pratos são a sua voz.”
  • “O mais importante é tocar o que você está sentindo. Isto se chama feeling. Abra sua mente. Ao invés de perguntar ‘Por que?’, pergunte ‘Por que não?'”

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Mais um cara conhecido, respeitado e admirado mundialmente nos mostrou porque chegou lá. Lembram desta pergunta “Por que não?”. Pois é, mais um cara que não precisa provar mais nada a ninguém sai dos EUA, vem ao Brasil e nos dá uma aula de humildade, várias lições de vida, um exemplo de profissionalismo e, no meio disso tudo, nos incentivam a continuar fazendo a nossa arte. No fim do evento, Dom ainda convidou Cuca para uma espécie de “Solo Duo” e os dois quebraram tudo. A palavra impressionante é pouco para definir o que presenciamos nesta noite. No fim de tudo ainda brinquei com Cuca dizendo que minha vontade era vender todo o meu equipamento e parar por ali mesmo. Cuca, gentilmente, me respondeu que o que aconteceu naquela noite deveria ser um incentivo. Cuca, foi muito mais do que isso. Foi uma noite inesquecível, um verdadeiro sonho.

Pedro Henrique Conrado
Analista de Sistemas formado pela Universidade Católica de Brasília (UCB). MBA em Governança em TI na própria UCB. Atua na área de desenvolvimento de sistemas desde 1999 (treze anos). Baterista, fã de Sabian, torcedor fanático do Fluminense, peladeiro (dos bons) e corredor de rua.